30 de junho de 2013

A autoridade e o estrado

De todos os estudos que viemos fazendo ou fabricando ao longo dos anos, nenhum se apresenta mais ostensivamente claro do que aqueles que estabelecem uma relação unívoca entre o desaparecimento progressivo do estrado e a progressiva perda da autoridade pedagógica do professor. O estrado foi desaparecendo na razão directa do aumento da indisciplina na sala de aula.

Conheci escolas que tinham dois estrados., ou seja, havia que subir dois degraus para chegar ao professor, postado sobre eles, semioculto por uma secretária de mogno esmagadora, infalível. O aluno que subia a esse estrado raramente o fazia por vontade própria., na medida em que havia nele um não-sei-quê de cadafalso. Obviamente, em vez de uma corda ao pe3scoço, ou de uma lâmina afiada sobre a sua cabeça, o desgraçado que para ali se dirigia, melhor, que para ali era obrigado a dirigir-se, era antes toureado com sarcasmo e elegância até ostentar toda a riqueza da sua inominável ignorância.

Depois, o estrado desceu um degrau, fez subir a auto-estima do aluno e descer a do professor. Foi por esta altura que os professores tiveram que refinar um pouco a ironia usada no aporrinhamento do aluno, a ponto de este raramente a perceber. Com o 25 de Abril, os educadores , devidamente enquadrados por um novo bando de pedagogos emplumados, desocultando a ciência oculta de ensinar, aboliram definitivamente o estrado, acabando por obrigar a sala de aula á disposição em U. Por seu turno, o professor ficou obrigado à postura do sempre-em-pé, destituído da sua honorífica secretária e, no extremo, espoliado de uma simples mesa e até mesmo de uma cadeira. Passou, portanto, a dar as suas aulas no meio daquele U de indivíduos cada vez mais iguais, cada vez mais brothers e mais cheios de torcicolos, sobretudo os das abas laterais do U, por tentarem olhar para o quadro. De notar que, para obstar ao aumento dos torcicolos, acabou o quadro por ser também abolido. Na verdade, mesmo nas salas onde ele ainda existe, raramente é objecto da atenção dos alunos e dos professores. Com o advento do quadro hiperactivo, o velho quadro foi relegado para um canto da sala, onde se escrevem anúncios de actividades desportivas patrocinadas pela compal ou pela coca-cola.

Destruído o estrado, desenfileirada a velha ordem das carteiras, desprestigiada a autoridade docente, deslegitimado o quadro do saber, anarquizado o espaço pedagógico, instalou-se a democracia individual. O professor passou a mandar 1/30 da sala de aula, tanto quanto qualquer um dos outros.

Porém, ao contrário do que eu já um dia tinha previsto, ainda não foi decretado que o professor fosse remetido para um fosso semelhante ao fosso da orquestra nos teatros líricos, mas podemos ter a certeza que isso só não foi ainda conseguido porque acarretaria despesas incomportáveis na transformação das actuais salas de aula, rubrica dificilmente inscrevível no orçamento rectificativo.

Mas o tal fosso já existe. É lá que nos encontramos, berrando para fazer ouvir a nossa voz lá em cima, nas carteiras despovoadas de educação…

     Post 8        (Imagem daqui)

21 de junho de 2013

Móbeis para Revoluções à solta pelas ruas…

papel higienico chavez 2

A equipa que, na Venezuela, move oposição sistemática à família Hugo Chávez apresentou a sua palavra de ordem revolucionária, a sua tese de candidatura: “papel higiénico para todos!”

Houve guerras do alecrim (José da Silva), da manjerona (idem), do chá (Revolução americana), do bacalhau (Islândia, século XIX), das rosas (Inglaterra, século XV); houve a revolução dos cravos (Nacinha*, 1974), a revolução branca (Irão 1963), a agrícola (Inglaterra, século XVIII), a de veludo (Checoslováquia, 1989), a dos escravos (Santo Domingo, 1791), a dos bichos (George Orwell, 1945). Obviamente, faltava-nos a revolução do papel higiénico, a provar que as revoluções e as guerras têm sempre origem na comida, na bebida, nas cores, na macieza das coisas, em perfumes (alecrim) e em odores (escravos e bichos).

Quando falei da macieza das coisas, referia-me ao veludo que espoletou uma revolução na Checoslováquia e não ao papel higiénico, causa primordial da actual revolução venezuelana. Na verdade, na Venezuela, não é tanto a qualidade que conta mas sim a quantidade, ou seja, a escassez do produto. Nicolas Maduro teve que importar 79 milhões de dólares de papel destinado à higienização anal do povo venezuelano. Foi o pretexto para a oposição sair à rua vociferando contra a ditadura de Chavez que deixou o cu do país num verdadeiro estado de humilhação fecal.

Apesar de ter sido o papel com a foto de Chávez aquele que, sabe-se lá porquê, mais rapidamente rareou no mercado, os venezuelanos acabaram por lançar mão de todo e qualquer papel que se vendesse enrolado, culminando até mesmo no uso dos Havana – um desperdício inútil, uma utilização tão imprópria quanto ineficaz, salvo seja.

E no Brasil? Qual a razão da revolução menchevique que se vive no Imperio do Sul? Futebol a mais e hospitais a menos, dizem os manifestantes, ou seja, demasiado lixo para tão pouca água, ou, se quisermos manter o simile da Venezuela, voltamos a ter demasiada matéria fecal para tão pouco papel higiénico.

Em Portugal, a revolução ainda não conseguiu emblema que se lhe ajustasse. A revolução dos cravas não me parece suficientemente interessante, até porque crava que é crava de verdade defende intransigentemente o status quo, o consuetudinário, ambiente sem o qual não consegue fazer evoluir decentemente a sua arte. O crava necessita mesmo é de estabilidade política para fazer florescer a sua divina prestidigitação. Sem estabilidade política, o crava fica de mãos atadas, desastre inominável para um carteirista que se preze…

Quanto aos cravados, na medida em que o são de modo praticamente anestésico, não chegaram ainda a ver o verdadeiro alcance da miséria que os espera. São como a rã que se deixa cozinhar pacificamente, se o calor for aplicado lenta e gradativamente à água onde, despreocupadamente, nada.

*Nacinha – diminutivo derrogatório de “Nação”

     Post 7                 Imagem: domínio público