21 de novembro de 2013

Vêm aí exames para tudo o que mexe

Obviamente que os professores do quadro também vão ser submetidos a exame para entrar na carreira, como os novatos. Não é que isso faça muito sentido, mas que sentido precisamos nós de descobrir, naquilo que o não tem, para justificar as medidas governamentais? Aliás, as coisas sem sentido estão na base da criação do universo e na sua manutenção técnica. Os deuses têm sentido? A vida? o casamento? a cerveja sem álcool? os preservativos com canela? (ops, isto tem sentido, sim, e creio que deve ser sentido único). Mas, para além dele, do preservativo acanelado, nada mais tem sentido debaixo do sol, e ninguém me dissuade de pensar que mesmo o próprio sol não seria tão desejado se nunca tivesse existido.

É, portanto, fácil partir para um decreto regulamentar que aposta na extirpação de vinte euros aos professores. Há um sem número de vozes a aplaudir uma medida que, mesmo sendo estúpida, ajuda a calar algumas bocas desaforadas. Lembrei-me agora que 20 euros roubados a cada professor, básico ou superior, ignorante ou catedrático, ou seja, mais ou menos ignorante, (com exame ou sem exame, já que isso é completamente indiferente) renderão dois milhões de euros, a contar por baixo. É, nós ainda somos 100000, se contarmos com os idiotas que estão fora do sistema de ensino mas mantêm o desejo insano de regressar.

Não será muito o que se arrecada com vinte euros pelo exame de acesso à carreira, é certo, mas podemos com eles calar a boca a uns poucos de generais, mortinhos por voltar a afiar as facas e derrubar o que resta deste governo trôpego. Se tirarmos uns tostões à horda de professores que se arrasta por aí poderemos redireccionar a fúria dos militares a contento de muitos dos lacaios do neoliberalismo financista.

Está certo que um exame de acesso a uma carreira onde as pessoas já se encontram configura, naturalmente, uma atitude esquizofrénica. Mas eu não me lembro de ter vislumbrado uma única atitude política que não tivesse sido esquizofrénica, nos últimos dez anos das nossas vidas...

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5 de outubro de 2013

a rentrée das nossas vidinhas…

Olá.  Entorpecido das férias, estava ainda na iminência de permanecer mais um pouco no doce molho da preguiça. No entanto, comecei a notar que havia uma pessoa com saudades das crónicas do “sofalo”: eu. Arrastei-me, então, até um computador, bocejei e pus-me a pensar sobre o que escrever, de modo a que a única razão não parecesse ser exclusivamente aquela. Surgiram dois ou três assuntos, algo decrépitos, mesmo maltrapilhos, que traziam consigo actualidade e estupidez suficientes para serem seriamente encarados: as bocas eleiçoeiras para presidentes de câmara; a rentrée do ano lectivo; a troikiana nona avaliação. Se fosse o Trala, não haveria certamente dúvidas de que ele escolheria a rentrée dos sobreviventes, cada vez em menor número e cada vez mais gastos. Porém, mais afastado das questões educacionais do que estava o “trala”, o “sofalo” preferiu as eleições e a nona avaliação, juntando, por questões economicistas, os dois assuntos no mesmo infortúnio literário – este post que o leitor agora contempla.

Pois a mim, tudo parece de uma simplicidade tocante: os portugueses (metade deles) avaliaram o Governo, acharam que era assim assim e votaram outro, que é rigorosamente o mesmo; o Governo avaliou o desastre iminente, achou assim assim, falou que estamos mal, que estamos bem e acabou por considerar que talvez;  a Troika saiu sem avaliar ninguém, feliz por não ter que o fazer. Ora, como quem cala consente, o Governo declarou a “avaliação” positiva, continuou à procura de chifre em cabeça de cavalo e veio afirmar que já se vê um túnel ao fundo do túnel. O povo, é claro, rumou a Fátima, à procura de soluções divinas. (Deus existe, mas não está cá. E faz cá uma falta…)

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15 de agosto de 2013

Crise? Qual Crise?

 

coldplayVerdadeiramente bom, exclusivamente bom, é o que é grátis. Na verdade, nunca percebi por que razão as coisas péssimas custam tão caro. Dou-lhes um exemplo: por que será que um festival de rock custa 500 euros e um concerto de jazz ou de música clássica custa uns 20 euros, isto quando não é absolutamente grátis. Ah, que se adormece lá, que é sempre a mesma coisa! E que raio têm vocês contra as sonecas? Acaso têm melhor coisa para fazer? Se têm é porque ainda são demasiado novos e não me apetece encetar uma discussão com gente tão imatura.

Vivemos, iniludivelmente, o melhor período das nossas vidas. Os cortes salariais baixaram a crista dos arrogantes; os desempregados estão na fila para o Céu dos pardais; os pensionistas vivem nos lares, recheados de miúdas de 70 anos, mais oferecidas do que uma catraia do profissional de hotelaria… Já repararam que os lares são na verdade bares de alterne ao alcance de qualquer bolsa medíocre? Está certo, sobra mês, em vez de sobrar ordenado. Mas alguém ou alguma coisa há-de repor o que faltou… Afinal, as dívidas soberanas, tal como as subalternas, não são para pagar, mas para ir pagando.

Não temos dinheiro para ir ver um bom espectáculo! Ah que chatice. Não ir a espectáculos degradantes é uma mais-valia, fiquem sabendo, uma providencial fuga à alienação colectiva. Já experimentaram antes ouvir com atenção (e com alguma vontade de rir) os nossos ministros, magistrados, assembleireiros, presidentes republicanos, chefes militares, partideiros? E querem melhor espectáculo? É óptimo. É grátis. Concertos pop? Revistas? Óperas? Rocalhadas? Comédias em pé e sentadas? Valha-vos deus! Sublimes, hilariantemente sublimes são os esgares, os ditos, as construções frásicas, os argumentos, as falácias dos nossos políticos.

A crise, para mim (que ainda consigo auferir um cachet exorbitante de 1000 euros mensais) tem sido só rir! Claro que eu sei muito bem que a crise não foi benfazeja para os desempregados que já deixaram de receber o subsídio. Tenho muita pena desses, pelo menos se ainda não encontraram um biscato como dealers que lhes renda um pouco mais que o ordenado mínimo… Podem não acreditar, mas há pessoas que ficaram pobres, irremediavelmente pobres, que depois de perderem o emprego perderam sucessivamente os filhos (que se bandearam para o tio rico americano) e a mulher (que se bandeou para o lado de um candidato autárquico , cheio de euros e de dólares que há 30 anos não faz mais nada além de sobrefacturar empreendimentos locais.

Mas dizia eu que a crise é um manancial de alegria e de boa-disposição. Tentar perceber as manigâncias dos espertalhotes é melhor que sudoku. É um passatempo riquíssimo, um exercício de intelectualidade que faz mais por nós que o memofante.

Para terminar, não resisto a contar-vos um dos meus dias típicos de férias. Pode ser o de ontem. Ontem fui a uma cidadezita aqui perto. Tinha água em riachos, esplanadas com sol, cafés e supermercados. Deambulei sozinho, comprei jornais, tomei cafés. Ás 5 da tarde entrei como por acaso numa casa da cultura onde passava Berlioz. Era grátis. Uma orquestra sinfónica de conservatório aprimorava a sua arte. Acho que era uma espécie de teste de avaliação dos jovens músicos. Achei-os esplêndidos. Por mim tinham todos 20. Aquilo durou umas duas horas. Dormi toda a segunda hora. Fui acordado por uma jovem esbelta que achou por bem não permitir que eu fosse fechado lá dentro.

Saí satisfeitíssimo, com Berlioz nos ouvidos e a placidez no coração.

A minha mulher estava à minha espera, mais fula que o óleo alimentar. Nervosa e arruaceira. Tinha estado no concerto dos Cold Qualquer Coisa. Coitada!

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17 de julho de 2013

chamuscação colectiva

Nenhum partido político sairá ileso da convocatória presidencial. O PSD foi, obviamente, o primeiro chamuscado, ainda pelas mãos do próprio Presidente que lhe adiou a morte anunciada, mas não lha retirou. O CDS automutilou-se, decepou um dos seus membros, só porque sim. Agora, vive à procura de um membro novo que possa ser atarrachado sem sequer ir ao hospital. O PS nunca foi coisa nenhuma e quando por momentos foi alguma coisa nunca essa coisa foi suficientemente credível fosse para o que fosse. O Não-Sei-das-Quantas Seguro anda à procura da charneira do Soares, mas não sabe em que raio de cofre a velha raposa a guardou, e, se lhe perguntar, ele já nem se lembra de que coisa isso era. (A velha raposa ainda alinha palavras de modo gramaticalmente correcto, mas essas palavras já há muito estão obsoletas. Algumas delas já significam exactamente o contrário daquilo que Soares está convencido que elas ainda significam).

E são estes os partidos do arco da governação. Nos Estados Unidos há algures uma cidade com trinta pessoas que é governada por um puto de 4 anos. Aqui temos uma cidade de 10 milhões governada por três partidos governados por três putos de 40 anos. Mas vamos agora saltar para os partidos excluídos do tal arco governativo, já que a minha intenção é mesmo demonstrar que nenhum deles sairá incólume do momento político que o presidente se lembrou de criar…

Ora bem, comecemos pelo meu partido. O meu bicéfalo partido, bicéfalo e bissexual, o que o torna necessariamente um pouco miscígeno, era, nos anos 70, um partido trotskista que se aburguesou progressivamente, se metrosexualizou infinitamente, à procura de consensos. Está queimado porque, tendo tomado uma verdadeira posição trotskista, a de não pactuar com as tricas das tróicas, esqueceu-se da economia e de nos explicar como e onde vamos arranjar dinheiro para comprar os melões. O povo, que é estúpido por natureza e não entendende onde se situa esse novo filão que gera os patacos, deixou de lhe passar cartão. O facto de nem sequer querer ir às festas dos banqueiros mundiais não poderá ser perdoado por quem não tem um tostão. Tentar puxar o PS para as suas descausas tem-se revelado um churrasco eficaz. Ah, referia-me ao BE. O mesmo se pode dizer do PCP, o partido que não mente ao povo, que tem medo de se despersonalizar se aceitar entrar no clube dos da governança. Certamente, foi o partido que mais cedo se chamuscou, mal caiu o muro, sobretudo por não ser capaz de fazer autocrítica, a autocrítica que o próprio Lenine tanto considerou. Não quis seguir pelo caminho fácil do eurocomunismo e segue agora, sombriamente, pelo caminho impossível de ninguém. Queima-se mais e mais com o seu limitadíssimo dirigente a defender, perante dez militantes, as delícias de nunca mudar.

Posto isso, que venham as eleições. Eu continuarei a desenhar caralhinhos nos boletins de voto, o meu primo continuará a ficar na cama no dia das eleições, metade dos portugueses continuará a votar PS, PSD e PP. Nas próximas eleições o PS terá uma maioria relativa, graças ao Seguro (apesar do Seguro), o PSD virá a seguir (graças ao Coelho/apesar do Coelho) e o PP do Portas , comportas ou semportas, meterá o nariz aqui ou ali, conforme a amplitude das fendas verificadas. A troica continuará por cá, declaradamente apaixonada pelo nosso clima, e adquirirá a nacionalidade portuguesa.

E Portugal, bom, Portugal tem que voltar aos navios, às conquistas e aos feitos gloriosos, ou seja, a ver navios, às conquistas  na mata de Monsanto e ao feito glorioso de conseguir vender antenas e auto-rádios aos seus próprios donos…

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30 de junho de 2013

A autoridade e o estrado

De todos os estudos que viemos fazendo ou fabricando ao longo dos anos, nenhum se apresenta mais ostensivamente claro do que aqueles que estabelecem uma relação unívoca entre o desaparecimento progressivo do estrado e a progressiva perda da autoridade pedagógica do professor. O estrado foi desaparecendo na razão directa do aumento da indisciplina na sala de aula.

Conheci escolas que tinham dois estrados., ou seja, havia que subir dois degraus para chegar ao professor, postado sobre eles, semioculto por uma secretária de mogno esmagadora, infalível. O aluno que subia a esse estrado raramente o fazia por vontade própria., na medida em que havia nele um não-sei-quê de cadafalso. Obviamente, em vez de uma corda ao pe3scoço, ou de uma lâmina afiada sobre a sua cabeça, o desgraçado que para ali se dirigia, melhor, que para ali era obrigado a dirigir-se, era antes toureado com sarcasmo e elegância até ostentar toda a riqueza da sua inominável ignorância.

Depois, o estrado desceu um degrau, fez subir a auto-estima do aluno e descer a do professor. Foi por esta altura que os professores tiveram que refinar um pouco a ironia usada no aporrinhamento do aluno, a ponto de este raramente a perceber. Com o 25 de Abril, os educadores , devidamente enquadrados por um novo bando de pedagogos emplumados, desocultando a ciência oculta de ensinar, aboliram definitivamente o estrado, acabando por obrigar a sala de aula á disposição em U. Por seu turno, o professor ficou obrigado à postura do sempre-em-pé, destituído da sua honorífica secretária e, no extremo, espoliado de uma simples mesa e até mesmo de uma cadeira. Passou, portanto, a dar as suas aulas no meio daquele U de indivíduos cada vez mais iguais, cada vez mais brothers e mais cheios de torcicolos, sobretudo os das abas laterais do U, por tentarem olhar para o quadro. De notar que, para obstar ao aumento dos torcicolos, acabou o quadro por ser também abolido. Na verdade, mesmo nas salas onde ele ainda existe, raramente é objecto da atenção dos alunos e dos professores. Com o advento do quadro hiperactivo, o velho quadro foi relegado para um canto da sala, onde se escrevem anúncios de actividades desportivas patrocinadas pela compal ou pela coca-cola.

Destruído o estrado, desenfileirada a velha ordem das carteiras, desprestigiada a autoridade docente, deslegitimado o quadro do saber, anarquizado o espaço pedagógico, instalou-se a democracia individual. O professor passou a mandar 1/30 da sala de aula, tanto quanto qualquer um dos outros.

Porém, ao contrário do que eu já um dia tinha previsto, ainda não foi decretado que o professor fosse remetido para um fosso semelhante ao fosso da orquestra nos teatros líricos, mas podemos ter a certeza que isso só não foi ainda conseguido porque acarretaria despesas incomportáveis na transformação das actuais salas de aula, rubrica dificilmente inscrevível no orçamento rectificativo.

Mas o tal fosso já existe. É lá que nos encontramos, berrando para fazer ouvir a nossa voz lá em cima, nas carteiras despovoadas de educação…

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21 de junho de 2013

Móbeis para Revoluções à solta pelas ruas…

papel higienico chavez 2

A equipa que, na Venezuela, move oposição sistemática à família Hugo Chávez apresentou a sua palavra de ordem revolucionária, a sua tese de candidatura: “papel higiénico para todos!”

Houve guerras do alecrim (José da Silva), da manjerona (idem), do chá (Revolução americana), do bacalhau (Islândia, século XIX), das rosas (Inglaterra, século XV); houve a revolução dos cravos (Nacinha*, 1974), a revolução branca (Irão 1963), a agrícola (Inglaterra, século XVIII), a de veludo (Checoslováquia, 1989), a dos escravos (Santo Domingo, 1791), a dos bichos (George Orwell, 1945). Obviamente, faltava-nos a revolução do papel higiénico, a provar que as revoluções e as guerras têm sempre origem na comida, na bebida, nas cores, na macieza das coisas, em perfumes (alecrim) e em odores (escravos e bichos).

Quando falei da macieza das coisas, referia-me ao veludo que espoletou uma revolução na Checoslováquia e não ao papel higiénico, causa primordial da actual revolução venezuelana. Na verdade, na Venezuela, não é tanto a qualidade que conta mas sim a quantidade, ou seja, a escassez do produto. Nicolas Maduro teve que importar 79 milhões de dólares de papel destinado à higienização anal do povo venezuelano. Foi o pretexto para a oposição sair à rua vociferando contra a ditadura de Chavez que deixou o cu do país num verdadeiro estado de humilhação fecal.

Apesar de ter sido o papel com a foto de Chávez aquele que, sabe-se lá porquê, mais rapidamente rareou no mercado, os venezuelanos acabaram por lançar mão de todo e qualquer papel que se vendesse enrolado, culminando até mesmo no uso dos Havana – um desperdício inútil, uma utilização tão imprópria quanto ineficaz, salvo seja.

E no Brasil? Qual a razão da revolução menchevique que se vive no Imperio do Sul? Futebol a mais e hospitais a menos, dizem os manifestantes, ou seja, demasiado lixo para tão pouca água, ou, se quisermos manter o simile da Venezuela, voltamos a ter demasiada matéria fecal para tão pouco papel higiénico.

Em Portugal, a revolução ainda não conseguiu emblema que se lhe ajustasse. A revolução dos cravas não me parece suficientemente interessante, até porque crava que é crava de verdade defende intransigentemente o status quo, o consuetudinário, ambiente sem o qual não consegue fazer evoluir decentemente a sua arte. O crava necessita mesmo é de estabilidade política para fazer florescer a sua divina prestidigitação. Sem estabilidade política, o crava fica de mãos atadas, desastre inominável para um carteirista que se preze…

Quanto aos cravados, na medida em que o são de modo praticamente anestésico, não chegaram ainda a ver o verdadeiro alcance da miséria que os espera. São como a rã que se deixa cozinhar pacificamente, se o calor for aplicado lenta e gradativamente à água onde, despreocupadamente, nada.

*Nacinha – diminutivo derrogatório de “Nação”

     Post 7                 Imagem: domínio público

23 de maio de 2013

Parece que foi ontem (1)…

10 de Março de 2007 – “À espera da Síntese prometida”

O Tralapraki morreu, de facto, mas ainda não está completamente enterrado. Ficou, vejam lá, com o rabo de fora, a dar a dar. Os saudosos desta publicação - quero dizer, eu - vão ser levados (praticamente à força) a revisitar alguns posts passados. O de hoje aborda o tema da esperança que pode haver em outras visões sociais e políticas. No negrume do que nos aconteceu, parece ainda haver um túnel ao fundo do túnel… :)

(Visite-o, clicando na hiperligação do subtítulo).

Estou quase de volta…

Quero todas as minhas esferográficas alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes para a escrita. Eis que se anuncia,de modo sumamente breve, a volta (a revolta) do blogue amado…

15 de maio de 2013

satisfação aos meus três leitores

imageTive que me ausentar uns dias para fazer mais uma recauchutagem à carcaça. É um tecido meio estafado que eu tenho na bexiga e preciso de ir à revisão de vez em quando, a ver se o remendo, ou lhe contenho a degradação definitiva…

Com a crise, há que remendar  o pano velho, que talvez ele nos dure mais um ano. Nem sequer faço ideia de quanto possa custar uma bexiga nova…

Bom, ter uma doença abusada pode ter o seu lado positivo: serve para justificar a real falta de inspiração que me acomete de vez em quando, precisamente nos intervalos dos restantes momentos em que também não a tenho…

Assim que o emplastro surtir efeito, volto aqui para continuar a massacrar os meus amigos leitores. É uma ameaça a que não consigo furtar-me. Uma espécie de sadismo compassivo…Sorriso

19 de abril de 2013

contribuições (ou impostos?) para um estudo adjacente da literatura mundial

Miguel de Unamuno esteve lá em casa ontem. Aprestei-me a servir-lhe o melhor chá que a Tetley comercializa, um que sabe a baunilha com laivos de terra batida, bouquet a frutos secos e sugestões de argila, tudo num final de boca redondo e persistente. Oh, perdão, isto é um vinho que abri hoje ao almoço e a confusão foi precipitada pelas primeiras palavras que ouvi ao Miguel, mal se alapou no menos roto dos meus três sofás Ibéria.

“Chá? Tu por acaso queres que me dê uma coisa má? Não terás por aí uma zurrapa melhor que um chá?”

“Tenho sim, há um cantonede em pacote que se revelou uma agradável surpresa. E olhe que o preço não assusta, dois euros e meio por cinco litros dele. É obra…”

“Venha de lá então esse aí, que não pode ser pior que o que tive que beber em França quando o Primo de Rivera me pôs a andar daqui. Rás parta a França. Nunca vi um país capaz de fazer ao mesmo tempo vinhos tão bons e mistelas tão galdérias. “

“De facto, Miguel, parece um fenómeno existencial. Já o Oliveira Martins detestava a zurrapa francesa e o Antero disse-me um dia que o vinho a martelo é o acordeão musette da Edith Piaf.”

“Ah o velho Antero, coitado, deve ter sido isso que o matou”

“O acordeão musette?”

“Não, o Cantonede, porra! Dá-me antes o chá Tetley…”

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O Excel está todo errado

Afinal, as políticas de austeridade estão erradas porque são baseadas num programa de Excel que apresenta um erro básico numa das suas fórmulas. Este programa que serviu de base a políticas restritivas aplicadas pelos governos dos países europeus com crescimento negativo, afirma que o crescimento económico desce abruptamente quando a dívida pública sobe acima dos 90 por cento. Como a dívida portuguesa ultrapassa 120 por cento do PIB, o programa de Excel prescreveu para Portugal uma austeridade sem precedentes, com o fim de inverter a queda íngreme do crescimento económico.

Ora, um doutorando de Massachusetts descobriu o grilo e afirma que dívidas acima dos 90 por cento não têm esse efeito catastrófico no crescimento económico. Trata-se de um erro básico que, pelos vistos, nenhum especialista em Excel tinha detectado até agora.

Este facto levou o autor do “sofalo” a desconfiar de que o Excel, para além deste erro, poderá apresentar muitos outros. De facto, o autor nunca percebeu a razão pela qual um aluno que não faz nada, não entrega trabalhos a tempo, não os entrega mesmo muitas vezes, não traz livro para a aula, não sabe ler e dá 80 erros ortográficos em 120 palavras ainda consegue um 10 na coluna final da grelha do Excel. Também não entende a razão pela qual ele próprio, que nunca falta a aula nenhuma, que cumpre escrupulosamente o programa e os horários de entrada e saída de todas as aulas, que explica de modo claro e idóneo todas as matérias, que aplica fichas e testes com moderação e parcimónia, que se disponibiliza para os seus alunos em todos os momentos da sua vida, na escola (em período pos-laboral) e fora dela (através de ferramentas de comunicação como o mail, o moodle, o blog, etc), que domina as tecnologias de informação desde 1990, que lê e reflecte sobre todas as problemáticas da educação, que cumpre a papelada toda apesar de a considerar um fardo desnecessário e imbecil, não conseguiu obter nota que se visse nem mesmo mudar de escalão apenas porque não fez nenhuma acção de formação nem foi às festas da escola e aos jantares de confraternização.

O Excel está errado. Onde está errado ele não sabe. Mas lá que está errado, lá isso está…

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só falo do que não sei (1)

Marisa Matias tinha assinado um relatório crítico sobre a actividade do Banco Central Europeu. Basicamente, e entre outros aspectos relevantes, ela fazia referência aos lucros do BCE com a compra de dívida dos países em dificuldades. De facto, o banco central “obteve ganhos significativos” com a deterioração das condições de financiamento dos países sob ajustamento financeiro. Supostamente, o BCE deveria aliviar essas condições, em vez de as tornar inexequíveis. Tratar-se-ia, portanto, de devolver algum desse lucro aos portugueses e aos outros “beneficiários” dos programas de ajustamento estrutural, proveniente do diferencial entre os juros que a banca paga ao FMI e os que recebe dos países sob sua ajuda, juros esses que se elevam a cerca do quíntuplo daqueles.

Explicar isto aos portugueses deve ser quase tão difícil como explicar a mim. Juro que já alguns economistas tentaram fazê-lo, sem sucesso visível. Ainda ontem, um economista que dá aulas numa escola secundária do centro do país me explicou, cheio de dedos e de salpicos salivares, a razão pela qual os donos do dinheiro não emprestam directamente aos governos dos países a 4 por cento e preferem emprestar ao sistema bancário a 0,75 por cento para depois o sistema bancário emprestar aos países a 5 ou 6 por cento. Ele explicou com clareza absoluta, parecia um dia de maio, mas eu, embrulhado ainda no inverno, não entendi.

Não deixei, no entanto, de reflectir, de modo obviamente errado, sobre o facto em análise, e de daí ter retirado uma ou outra conclusão, também necessariamente erradas. A razão pela qual os endinheirados preferem emprestar aos bancos é que têm mais confiança nos seus gestores do que nos primeiros-ministros dos países, ou mesmo nos seus presidentes da república ou monarcas constitucionais. Conhecendo eu, como conheço, a idoneidade, respeitabilidade e honestidade dos gestores financeiros, fico sem prateleira onde colocar os ministros, os reis e os presidentes dos países intervencionados.

Bom, a solução nacional consuetudinária dos meus amigos da tasca do Alfredo é colocar tudo na mesma gaveta, fechar à chave e depois deitá-la fora…

[Os buracos (o financeiro e o estrutural) são, no entanto, mais em baixo. Precisamos de competir com outros países e precisamos de deixar de gastar dinheiro mal gasto. Gaspar acedeu a este último desiderato onde acabará por poupar uns trocos. Mas só uns trocos, dinheiro para os fósforos, talvez. A competitividade não se adquire em menos de 15 ou 20 anos. Bom para Deus que pode esperar. A solução, se existisse, poderia ser possuir moeda nossa para desvalorizar. E, depois, trabalhar no inverno para aquecer e no verão para apagar os incêndios. E na primavera e no outono, trabalhar de borla, para oferecer ao mundo bens e serviços de altíssima qualidade a preços realmente competitivos. Bem baixinhos, para não voarem com o vento…]

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16 de abril de 2013

medicina homeopático-simbiótica para tempo de crise

Portrait of a man smiling, close-upA escritora Odete Ferreira apresentou-nos um dia uma personagem masculina mais feia do que a sua criatividade podia descrever. Como corolário da imagística que usou para fazer ressaltar a intransponível feiura do homem, afirmou que nem mesmo no envelhecer ele conseguiu disfarça-la ostentando as célebres têmporas grisalhas que os homens maduros desenvolvem, uma de cada lado da cabeça, como último reduto de um sex-appeal passado. Nem mesmo a velhice lhe aplanou a fealdade com esses dois argumentos decorativamente pilosos junto às orelhas. O pobre homem – finalizava a escritora - perdeu o resto do cabelo antes de ele pratear em apoteose sobre os parietais maduros.

Já comigo, a natureza resolveu ser muito mais generosa. Ainda eu conseguia achar alguns pelos decentes sobre o cocuruto da moleirinha e já a divindade me presenteava com dois lindíssimos tufos de lã delicadamente argêntea naquilo que outrora fora um casal de suíças negras e hirsutas.

É verdade. A Mãe-natura acabou de me contemplar com duas belíssimas cãs esmaltadas, uma de cada lado da semi-destroçada carola.

Nada disto faria qualquer sentido se eu não tivesse ouvido na rádio uma notícia sobre as suíças brancas masculinas. Dizia a notícia que a visão de suíças brancas induz nas mulheres uma reacção de calma e tranquilidade, um abandono relaxante, um quase transe hipnótico. Suíças grisalhas masculinas são, pois, um medicamento barato e eficaz no tratamento da irritabilidade feminina.

Em abono da verdade, devo confessar que, até ao momento, o resultado cá em casa não tem sido deslumbrante. Minha mulher continuou a atirar-me com frigideiras ainda quentes, mesmo depois que orgulhosamente embranqueci sobre as orelhas. Explico este facto com o ditado popular “em casa de ferreiro, espeto de amieiro”. Talvez não funcione na nossa própria casa, já que santos da dita não fazem milagres. Fica, pois, desde já, enunciada a possibilidade de isto resultar bem melhor em casa alheia…

Paralelamente, recordo aqui um outro estudo, também cientificamente comprovado, segundo o qual a visão de seios femininos reduz substancialmente o risco de ataque cardíaco no homem heterossexual. É por tudo isto que o conceito de simbiose anda ultimamente a bailar no meu cerebelo, situado que está exactamente entre as tais tão fitossanitárias suíças esbranquiçadas.

É também por isso que, em nome da ciência e da promoção da saúde em ambos os sexos, gostaria de sugerir que uma representante do sexo feminino permanecesse sentada à minha frente, de torso descoberto, com o louvável intuito de me retardar o presumível avc. Em contrapartida, eu permitiria à senhora em causa uma ou várias sessões de observação de suíças brancas com o fim de reduzir nela os desagradáveis sintomas da tensão pré-menstrual.

(De notar que qualquer desenvolvimento criativo ou desvio ao padrão especificamente contratado fica prejudicado…)

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12 de abril de 2013

As rádios do blogue

radioOlá. Se, por acaso, não gostar de Blues, desligue o rádio. (Creio que nunca disse nada tão universalmente consensual). Depois disso, pode preferir ligar o Quintal do Pipoca, a outra rádio, bastante mais ligeira. No caso de realmente preferir, tenha a liberdade de o fazer. (Querem ver que a democracia regressou?!)

4 de abril de 2013

nove ilações

PORTUGAL FEIRAS NOVAS PONTE DE LIMA“Há uma coisa que o Presidente da República não deve fazer: é comer e pensar ao mesmo tempo. Hoje estou aqui para saborear estes petiscos. Amanhã responderei aos senhores jornalistas, visto que nunca deixei de o fazer”. - Cavaco Silva, hoje, no telejornal da 4.

Ilação 1. Os jornalistas estão de parabéns. Já fazem perguntas que obrigam o Presidente a pensar.

Ilação 2. O Presidente é homem, visto que não funciona em multitarefa. Qualquer mulher, mesmo a sua, teria respondido cabalmente a todas as perguntas e ainda teria composto a sua lapela (dele) e dado aos jornalistas alguns conselhos úteis sobre limpeza de cortinados.

Ilação 3. O Presidente, tal como outros dirigentes do PSD, é avesso a concordâncias: comer e pensar são, de facto, duas coisas e não uma.

Ilação 4. O Presidente é profundo conhecedor do ditado popular “enquanto se escapa não se assobia”.

Ilação 5. O Presidente sabe inverter inteligentemente o outro ditado popular que diz “primeiro as obrigações, depois as devoções”.

Ilação 6. O Presidente é fervoroso adepto do ditado popular “trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”, desde que, obviamente, o conhaque seja para hoje e o trabalho para depois de amanhã ao fim da tarde. 

Ilação 7. O Presidente sempre respondeu aos jornalistas no dia seguinte (ou seja, depois do conhaque).

Ilação 8. O conhaque do Presidente tem um teor alcoólico subliminar – não acusa nos testes, mas reflecte-se na imprensa.

Ilação 9.  O Presidente da República refere-se sempre ao Presidente da República quando fala sobre o Presidente da República.

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29 de março de 2013

Ufa… o primeiro post

caderno1Estrear um novo blogue é como estrear um novo caderno ou rabiscar os primeiros esboços de uma obra de arte. Também aqui surge, certamente, o terror do papel branco. Há um pavor em cada palavra, um tefe-tefe do caraças…  

Bloqueios insuspeitados avançam intrepidamente e nota-se um adiamento inexplicável de cada ideia, de cada juízo, de cada raciocínio. O papel branco e os blogues novos deixam-nos irremediavelmente estúpidos.  (A minha vida deve ter sido passada a abrir blogues, a estrear cadernos e a esboçar inícios prometedores de inúmeras obras de arte – explicação cabal para o surgimento de incipientes fenómenos de burrice que tenho vindo a detectar em mim e cuja explicação me tinha passado ao lado até hoje…) 

Depois, passa. Refiro-me, naturalmente, ao medo. A burrice, essa, tenderá a aumentar…

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28 de março de 2013

A abrir

guerra_a_la_censura-600x434“É, portanto, uma nova guerra que se nos apresenta agora, muito mais soberba e crucial que aquela. Porém, como vos garanto que não se tratará ainda da batalha final, resolvi abordá-la com armas artesanais e suficientemente amadorísticas para não me esmurrar todo, no caso de elas me emperrarem na mão. Não pretendo matar ideologias, mas posso fazer-lhes cócegas (já um dia vi um miúdo à beira da morte por causa de uma sessão de cócegas, podem acreditar). Não posso reorientar o país na direcção certa mas posso voltar as placas ao contrário. Não sei dar tiros na rua, mas posso açular os meus rafeiros.“

In Tralapraki

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