20 de maio de 2017

Para os que curtem Filosofia do Quotidiano Repelente

regandoAcordei com sede e supus que as minhas árvores também a tinham. O meu quintal é longo e estreito. Há dias que não são regadas as árvores lá do fundo. Vesti-me à pressa. engoli um pacote com um líquido qualquer e preparei-me para  fazer uma caminhada de 130 metros até ao fundo do quintal, sem saber se conseguiria regressar depois do hercúleo esforço.

Reparando que o portão estava escancarado, resolvi fechar a porta que dá para o jardim e meti a chave no bolso. Comecei a percorrer os 130 metros debaixo de um sol castigador.

Enquanto apontava o jacto para um caramanchão de camélias, reparei que havia uma fuga lateral. Desapertei a ponteira para tentar resolver o problema. Então aquilo rebentou num jorro de loucos e despejou, sem misericórdia, uma centena de litros que me ensopou de água gélida da cintura para baixo. Acto contínuo, tirei as calças ensopadas e estendi-as sobre o relvado, reparando então que não trazia cuecas ou qualquer outra peça interior, seja lá o que a moda ou a cafonice chame a essas peças: boxers, trousses, slips, ceroulas, calções (o único aumentativo que diminui o tamanho das coisas, dado que as calças são sempre maiores do que os calções, devendo estes chamar-se preferencialmente calcinhas, ainda que com risco da própria virilidade).

Enfim, estava nu ali em baixo! Isso era a terrível realidade. Estava em leitão, ali no fundo de um quintal estreito, rodeado de vizinhos (e vizinhas) a regar as suas hortas, e sem saber que impressão aquela geni(t)al e inesperada   aparição provocaria neles (e nelas), e encetei nova caminhada, desta vez em direcção à casa, buscando o conforto de umas calças, puxando a camisa para baixo tanto quanto a sua costura permitia e desejando que a natureza não me tivesse dotado tão bem… “Bom dia, vizinho!” “Bom dia vizinho,” etc. …

Chegado a casa, reparei que não tinha chave. Tinha ficado no bolso das calças ensopadas. No jardim não havia trapo que me subtraísse à bondosa e caritativa saudação dos vizinhos (e vizinhas). Encetei, portanto, novo trajecto até às calças que jaziam amarfanhadas sobre a relva, a intransponíveis 130 metros de mim. “Bom dia, vizinho” Bom dia vizinho”, “Bom dia vizinho”, etc. Perguntei-me em que episódio de Mr Bean isto se teria passado e não encontrei. Era mesmo comigo, era mesmo original e dava um post. Aqui está ele. Nunca recebi tantos “bom dia vizinho” por minuto.

De regresso a casa, caminhando agachado como um ladrão, ouvi mais mais alguns bomdiavizinhos, mas estava triunfante, com a chave na mão…

No entanto, os meus três cães, que me esperavam junto à porta,  olharam-me espantados e pareceu-me ver um risinho malévolo em cada um deles…

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