Marisa Matias tinha assinado um relatório crítico sobre a actividade do Banco Central Europeu. Basicamente, e entre outros aspectos relevantes, ela fazia referência aos lucros do BCE com a compra de dívida dos países em dificuldades. De facto, o banco central “obteve ganhos significativos” com a deterioração das condições de financiamento dos países sob ajustamento financeiro. Supostamente, o BCE deveria aliviar essas condições, em vez de as tornar inexequíveis. Tratar-se-ia, portanto, de devolver algum desse lucro aos portugueses e aos outros “beneficiários” dos programas de ajustamento estrutural, proveniente do diferencial entre os juros que a banca paga ao FMI e os que recebe dos países sob sua ajuda, juros esses que se elevam a cerca do quíntuplo daqueles.
Explicar isto aos portugueses deve ser quase tão difícil como explicar a mim. Juro que já alguns economistas tentaram fazê-lo, sem sucesso visível. Ainda ontem, um economista que dá aulas numa escola secundária do centro do país me explicou, cheio de dedos e de salpicos salivares, a razão pela qual os donos do dinheiro não emprestam directamente aos governos dos países a 4 por cento e preferem emprestar ao sistema bancário a 0,75 por cento para depois o sistema bancário emprestar aos países a 5 ou 6 por cento. Ele explicou com clareza absoluta, parecia um dia de maio, mas eu, embrulhado ainda no inverno, não entendi.
Não deixei, no entanto, de reflectir, de modo obviamente errado, sobre o facto em análise, e de daí ter retirado uma ou outra conclusão, também necessariamente erradas. A razão pela qual os endinheirados preferem emprestar aos bancos é que têm mais confiança nos seus gestores do que nos primeiros-ministros dos países, ou mesmo nos seus presidentes da república ou monarcas constitucionais. Conhecendo eu, como conheço, a idoneidade, respeitabilidade e honestidade dos gestores financeiros, fico sem prateleira onde colocar os ministros, os reis e os presidentes dos países intervencionados.
Bom, a solução nacional consuetudinária dos meus amigos da tasca do Alfredo é colocar tudo na mesma gaveta, fechar à chave e depois deitá-la fora…
[Os buracos (o financeiro e o estrutural) são, no entanto, mais em baixo. Precisamos de competir com outros países e precisamos de deixar de gastar dinheiro mal gasto. Gaspar acedeu a este último desiderato onde acabará por poupar uns trocos. Mas só uns trocos, dinheiro para os fósforos, talvez. A competitividade não se adquire em menos de 15 ou 20 anos. Bom para Deus que pode esperar. A solução, se existisse, poderia ser possuir moeda nossa para desvalorizar. E, depois, trabalhar no inverno para aquecer e no verão para apagar os incêndios. E na primavera e no outono, trabalhar de borla, para oferecer ao mundo bens e serviços de altíssima qualidade a preços realmente competitivos. Bem baixinhos, para não voarem com o vento…]
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