No passado dia oito de Setembro, aí pelas três da tarde, fui
oficialmente declarado velho. Desde esse dia até hoje tenho vindo a tentar
perceber a epistemologia deste novo estatuto e verifiquei, um pouco surpreso,
que esse estatuto não me contemplou com qualquer benefício notório ou regalia
de casta.
Reparei que as notícias dizem normalmente coisas como esta: “morreram, (ou foram sequestrados, ou ficaram
enterrados na neve ou foram levados por uma enchente, enfim, a tragédia é
absolutamente indiferente) três homens, seis mulheres e quatro velhos”, ou, no actualíssimo dizer politicamente correcto, "seis mulheres, três homens e quatro velhos". Isto quer
dizer que o estatuto de velho não acumula com o de homem, antes o exclui liminarmente.
O mesmo acontece, portanto, ao estatuto do homem, que não acumula com o de velho e exclui este conceito, embora não por tanto tempo quanto seria desejável, para tristeza dos homens e vingança dos velhos...
Sabendo que não sou mais um homem, mas apenas um velho, intrigou-me saber que competências de homem estão definitivamente negadas ou proibidas ao velho, para que este não possa mais ser considerado homem.
Sabendo que não sou mais um homem, mas apenas um velho, intrigou-me saber que competências de homem estão definitivamente negadas ou proibidas ao velho, para que este não possa mais ser considerado homem.
Ah, o velho não é mais homem porque não pode trabalhar.
Nada contra. Com um pouco de boa vontade, considero isso um privilégio. Mas há
velhos que trabalham, são os chamados velhos pobres.
E isso reclama, naturalmente, que eu procure outras competências
desaparecidas do homem que se é até aos sessenta e cinco anos, e que deixa de se ser a partir dessa idade.
E foi aí que tropecei no sexo. É claro. Homem pode fazer
isso com alguma facilidade. O velho, não.
Mesmo um velho novo como eu (na verdade só tenho alguns meses de velho, sendo
portanto um velho bebé, um caloiro da velhice) experimenta enormes dificuldades
quer em fazê-lo, quer em não o fazer. E prova dificuldades acrescidos quer
em assumir que o faz, quer em assumir que o não faz. A verdadeira diferença,
nesta matéria, entre o velho e o adolescente é que o velho tem consciência do
que lhe está a acontecer e o adolescente ainda não.
Dada a minha perceptível inexperiência como velho, fui ontem
mesmo consultar um velho mais velho do que eu, um velho de 80 anos, o Senhor
Armandino, que se refastelava no Arcada, diante de um café abagaçado. “Está
claro que tu és um puto”- atirou ele. “Estás baralhado e confuso. É natural. Eu
te digo: ser velho traz muitas limitações. Nunca sabemos o que podemos comer e,
sobretudo, quem podemos comer”.
Aí está o verdadeiro estatuto do velho: ainda temos apetite,
mas não temos acesso a pratos suculentos.
“Só para homens” – diz o cardápio…