16 de novembro de 2014

Odiei o meu pai duas vezes

escolaOdiei o meu pai duas vezes: uma vez aos quinze anos, porque ele estava vivo; outra aos cinquenta, porque ele estava morto.

Esse aforisma de autor praticamente desconhecido – eu – podia perfeitamente expandir-se a outras esferas e pessoas das nossas vidas, por exemplo, a escola e os professores.

Interpretações à parte, os alunos odeiam os professores, simplesmente porque eles estão ali sempre. O amor de um discípulo pelo seu mestre aumenta na razão directa da sua ausência. Todos temos experiências marcantes de alunos que se aproximam de nós, atentos, veneradores e encantados, quando já estão rodeados de filhos complicados que circunvagam pelas escolas públicas, telemóveis em riste, o amigo inseparável de todas as esquinas por onde se roçam e aquele ar perigosamente disponível. Vêm então lembrar-nos quem eles são agora e quem foram antes, eu era do 10ºF, dormia  na terceira carteira a contar da mesa do professor, na fila das janelas (sempre tive um pouco de falta de ar na escola).  Brandem luminosamente o seu actual sucesso financeiro e reclamam-se de um tempo verdadeiramente feliz esse em que se sentaram à nossa frente, abrindo arruinados cadernos, a mente e o coração tão longe da nossa aula como eu estou agora deles.

Isso mesmo: eles falam-nos com respeito, um pouco de orgulho que lhes sai do canto das bocas e alguma comiseração pelo nosso actual estado financeiro que, finalmente, parece ter-se já descaradamente derramado para a esfera pública. E nós ouvimo-los atentamente descrevendo o seu dia-a-dia, entregando-nos voluntariamente os corações e as áureas vidas familiares, sem nos lembrarmos de ter prescrito esse trabalho de casa, mas aceitando-o como se o tivéssemos feito. Se eu soubesse, professor, teria-me dedicado (o progresso gramatical não acompanhou a sua evolução social) muito mais ao Inglês, mas enfim, cá vamos andando, quando mal nunca pior…

E a gente ouve-os e depois declara lamentar não poder acompanhá-los naquele entusiástico copo e no prometedor jantar que a esposa teria todo o prazer de nos proporcionar. A gente ouve e ouve e ouve, e não faz ideia de quem eles são…

Finalmente, quando eu definitivamente desapareço da vida dos meus alunos, desencadeio neles um amor brandamente mágico. E insustentável, de tão leve…

2 de novembro de 2014

As notícias da nossa alegria

 

Lin Chuxue, vice-presidente da China Three Gorges

1. Hospital de Aveiro – os mortos já não passam pelas Urgências

Esta notícia encheu-me de felicidade. De facto, se há alguma coisa que um morto não tem é pressa. Os vivos, sim, precisam das urgências, porque para eles tudo é para ontem. Coitados, ainda não atingiram o estatuto e a dignidade dos tranquilos..

2. O algoritmo estava errado.

Outra imensa, inundada sensação de regozijo e bênção. Vejam só, um algoritmo, a definitiva, a irrevogável certeza das ciências exactas, a coisa mais próxima de Deus que eu conheço, estava errada, vergonhosamente errada. Sendo que eu próprio não estou certo nem  da idade que tenho (pelo menos diante das mulheres), nem de quantos dentes tem uma galinha,  nem de que aula vou ter agora, nem mesmo da que tive anteriormente, não posso ficar mais feliz ao saber que um irrepreensível algoritmo, uma coisa que traz o nome de uma privilegiada autoridade intelectual, era falsa, enfim, um mero artigo de fancaria que, ainda por cima, estragou a vida a um monte de gente. Ao contrário, que crime pode haver em eu não saber onde fica a sala de professores? Esse facto liberta temporariamente os meus colegas de, pelo menos, mais um pesadelo. Entre o algoritmo e eu o bom diabo escolhe a mim…

3.  Chineses satisfeitos com EDP mantêm Mexia à frente da empresa.

Ora ainda bem que há alegria e que estão todos felizes. O Mexia ainda mexe e  a EDP dá lucros aos chineses. Pelo menos dois aspectos altamente positivos: 1. a manutenção de Mexia na EDP previne, pelo menos em parte, a possibilidade de ele estar em qualquer outro lado; 2. Chineses satisfeitos representam uma mais-valia notável. O facto deve certamente acicatar-lhes o desejo de adquirirem as outras empresas nacionais, sobretudo as que já dão lucro, mesmo sem Mexias. Uma vez que vou ter que conviver cada vez mais de perto com os chineses, prefiro-os a rir. São muito mais divertidos assim. Vocês já viram um chinês mal humorado? Eu já. Um chinês descontente não nos paga nem uma cachaça branca. Mas bebe-a se lha pagarem (e com um sorriso nos lábios). Cachaça é volátil, meu povo. Chinês é volúvel, minha gente