D. Teresa de Sousa Bastos de Bragança e Souto estava sentada no seu canapé, debicando pipocas doces. A centésima terceira pipoca, ao vislumbrar a boca escura, abundantemente aberta de D. Teresa, falha de dentes mas não de apetite, insurgiu-se e, tanto quanto lhe permitia a sua compleição de milho assado, recusou entrar. D. Teresa, a quem restara um vislumbre de nobreza mas nenhum de dinheiro, decidiu que nenhuma pipoca lhe fazia o ninho atrás da orelha (por vezes, boquiabro-me de todo com estas imagens antinatura, embora não me escandalize nada o facto de imaginar uma pipoca doce azafamada a construir um ninho de pardoca sobre o proeminente mastóide - ou será parietal? - de D. Teresa de Sousa Bastos).
Afinal, como será que uma simples pipoca recusa entrar na cavidade oral de uma nobre dos tempos modernos, sem dinheiro, mas com orgulho suficiente para não engolir essa afronta? Simplesmente caindo. Caindo, desprendendo-se dos dedos de Teresa e refugiando-se na mais próxima dobra do sofá. Pois, mas foi lá mesmo que a infanta a procurou, com os seus dedos esguios, algo decrépitos, e a reconduziu à fossa abissal da sua garganta inóspita.
As outras pipocas engoliram em seco. (caramba, outra imagem contranatura). E caíram por terra quaisquer sequentes tentativas de revolta, de motim, de sublevação, de revolução republicana, socialista e leiga.
Se algum dia as pipocas deste país resolverem revoltar-se, não se esqueçam de erguer uma estátua à pipoca insurgente que foi ingloriamente comida por D. Teresa de Sousa Bastos de Bragança.
Não perceberam o alcance da parábola? Eu também não. Deve ter sido psicografada, é o que é…