- hoje vamos à praia – disse o senhor afonso, marido de dona Lurdes e pai assim assim de duas enormes raparigas de 17 e 19 anos, bem alimentadas a iogurte e pizzas, setenta e dois e setenta e oito quilos respectivamente, excluindo os telemóveis e os adidas.
dona Lurdes, esposa e mãe daqueles três, a única a cujo nome honrado me apetece dar letra maiúscula, disse, com um sorriso de poucos dentes mas, ainda assim, luminoso, que era uma óptima ideia, que ia arrumar a cozinha, lavar os tachos, guardar os restos, levar o lixo, fazer o farnel, e já se juntava a eles.
o senhor afonso derramou-se no sofá, apoderou-se do comando e ficou a tagarelar com as filhas, ambas estiradas no sofá grande, pose um pouco virilizada pela gordura e pela civilização.
dona Lurdes ouvia-os rir alvarmente e supôs-se a mais feliz das mulheres. raspou tachos, abriu e fechou a torneira uma trintena de vezes, esfregou o chão e, de repente, deixou de os ouvir. a sala estava em silêncio, supô-los adormecidos e temeu levemente pela sua tarde na praia. mas ainda lhe faltava passar o pano na bancada, deixar tudo perfeito. quando, finalmente, terminou, dirigiu-se à sala a informar que estava pronta. a sala estava vazia. tinham ido sem ela.
à noite, pediram-lhe desculpa, mas acrescentaram que o tempo não tinha estado nada bom lá, muito vento, bandeira vermelha, impossível sequer molhar os pés e, além disso, ela também não gostava lá muito de praia. dona Lurdes concordou. de facto não era grande fã... mas enfim, sempre seria uma reunião de família. paciência, ficaria para outra vez, e lembrou-se de que ainda lhe faltava esvaziar e limpar o frigorífico por dentro...
as duas filhinhas nunca tiraram os olhos dos respectivos telemóveis – a atitude mais feminina que ousaram ter.