Sim, quero dizer, sentar para escrever, não como a consequência de um pensamento, de um brado, de um bramido, mas como a sua causa… Posicionarmo-nos perante o acto físico de escrever, tomado como um processo acéfalo, puramente pelecípode, viscoso, materiático, como o estrebuchar de uma amiba ou o centitorcer da cauda decepada de uma sardanita, e depois esperar que daí, desse movimento informe, obscuro, brumoso, inócuo, inábil, ínvio, desse irritativo contorcionismo de ameba, desse contar de anos da sardanisca mutilada, desse clástico, morfinado matraquilhar, advenha o pensamento, a anima, a razão, o discurso, a identidade, a clareza, a elegância, a coerência, a criação, o êxtase…
Isso, gente. Partir de uma amálgama nula, emaranhada, um cerrado de junça amorfa, um nada informe, disforme, liquescido, mucoso, de vetusta indigência amarfanhada, e mais nada. E esperar. Esperar, bêbado de esperança, que se faça a forma e o conceito e a dança, que se dê a palavra ao peito e que o texto se dê, enfim, ao puro respeito.
E que, na cálida placidez dessa dormência, vistos os actos, calços e percalços, segregada a desobra inválida e bisonha, se reconheça a estéril nulidade do processo e se reafirme, de vez, que quem cria a beleza é ela própria e nada do que é belo nasce do inútil. E que se remeta o escritor tacanho à sua condição frágil de filho incerto do incesto entre o acaso e o ocaso.