A VIDA não quer que mudemos nada, para que seja ela a mudar tudo.
A DEMOCRACIA quer que mudemos tudo, para que ela não tenha que mudar nada.
SÓ FALO DO QUE NÃO SEI
uma publicação extemporânea, inadequada e inútil
17 de outubro de 2019
A vida e a Democracia
7 de maio de 2019
JÁ VÃO SENDO HORAS DE DIZER COISAS (4)
6 de dezembro de 2018
Agora a sério, pelo menos uma vez, vá lá… :)
As sociedades ocidentais compraram a bom preço todos os alegados méritos do sistema capitalista e acabaram por renegar tudo o que se aproxima dos ideais socialistas. Historicamente, é verdade que nenhuma forma de "socialismo" promoveu o bem estar das suas populações. Não temos como negar esta evidência. Todas as formas conhecidas de "socialismo" foram servidas por ditaduras e pouco fizeram pela saúde económica e moral das suas populações. Convém, no entanto, não demonizar o Socialismo, ele próprio, como sistema que se opõe (e pretende, pelo menos, atenuar) às insolúveis contradições capitalistas. Tudo porque, ao se desdenhar o Socialismo e as formas socializantes das sociedades, cairemos facilmente na perversão de destruir a própria social-democracia, a cara mais lavada do capitalismo.
18 de novembro de 2018
UM CACHORRO PARA A CÁTEDRA DA PSICOPEDAGOGIA CONTEMPORÂNEA
(DEDICADO A TODOS OS JOVENS PROFESSORES RECEM ENTRADOS NO DESCONCERTO CIVILIZACIONAL CHAMADO EDUCAÇÃO)
Escutem agora a voz de um atoleimado que trabalhou com alunos durante 40 anos e nunca os compreendeu!
Parece um péssimo cartão de visita, não é? Porém não é tal.
Esse homem caiu no logro, como quase todos, de tentar seguir as pedagogias oficiais. Nada mais errado. Se vocês o fizerem, morrerão de tédio e de remorsos e concluirão, como ele, que errou rotundamente, devido a tanto desejo de acertar.
(Para a educação não há conceitos adequadas. Há conceitos educados, isso sim, mas, como tudo o que é educado, acabam sendo preteridos pelos broncos. )
Pesquisámos e estudámos didáticas e psicopedagogias durante séculos, reunimo-nos dos melhores e mais hábeis pensadores nessa matéria e chegámos hoje à conclusão que os alunos adoram os professores na razão directa da sua ignorância e na razão inversa da sua competência.
Se, de facto, queres aprender a ensinar com eficácia, arranja um cão e tenta educa-lo. Todas as estratégias que funcionarem com o patudo, funcionarão com os teus alunos. Cachorros e Alunos são em tudo semelhantes. Ambos querem que lhes dês a melhor ração, mas não vão mexer uma pata para a conseguir.
Mas oh inclemência! Há uma diferença intransponível entre ambos: se falhares com o cachorro, ele perdoar-te-á. O aluno nunca te perdoará, mesmo que acertes.
14 de novembro de 2018
EM DEFESA DA TRADIÇÃO TAUROMÁQUICA
SÓ EM CERTO SENTIDO É QUE SOU CONTRA AS TOURADAS. POR ISSO, VENHO AQUI SUGERIR ALGUMAS INOVAÇÕES, NO SENTIDO DE AS TORNAR SOCIALMENTE INTEGRÁVEIS.
1. Mudar a música - o paso-doble é uma merda.
2. Acabar com as ferroadas no touro - em vez disso, o cavaleiro aproxima-se do touro e cola-lhe um post-it no lombo.
3. As pegas de caras devem continuar, mas deve ser abolida a rabejação (há que evitar ferir o animal no seu brio e virilidade). Se o rabejador continuar a prevaricar, deve-lhe ser atribuído castigo igual.
4. Acabar com todo e qualquer sofrimento do animal (inclusive o de natureza sentimental) e privilegiar atitudes, na arena, que o façam rir e divertir-se.
5. No final da corrida, toureiros, cavaleiros. vacas, cavalos, músicos e touros devem confraternizar amigavelmente na arena, num jantar vegan. O touro deve ir para casa à noite e receber uma pensão vitalícia em géneros (beterrabas e erva tenra) e um harém de chocas, até à sua morte por velhice.
Só nestes termos aceito a permanência da tradição tauromáquica em Portugal.
(Imagem daqui)
27 de outubro de 2018
O Cadete Schweick na Revolução Encravada
Tinham decorrido já dois meses sobre a Revolução dos Cravos, quando Schweick foi convocado por um clarim para uma instrução noturna na Tapada. Nunca como então o Cadete Schweick se apercebera tão ruidosamente de como é lenta a mudança das instituições. Dois meses deveriam ser mais que suficientes para que a tropa já tivesse absorvido o programa das Forças Armadas, a Democracia plena, o fim da guerra, da instrução e das paradas. Tudo fazia supor que, depois daquela data amorosa, os campos de cravos ditariam todos os momentos da vida militar. As namoradas poderiam ir dormir nas casernas, haveria colchas de seda e baralhos de cartas sobre mesinhas de cabeceira em mogno. Os pratos de lata seriam substituídos por outros de porcelana finíssima, bordejados de flores, com cinco quinas no centro. O lato do vinho canforado seria agora uma taça de cristal, de pé mais alto que o tacão das beldades, por onde escorreria o deleitoso espumante nacional da Raposeira.
Às duas da madrugada estava tudo formado na parada, cantil, bornal e a velha mochila ensebada que já tinha duas comissões no ultramar e retornava sempre ao Puto, para acompanhar o próximo Asp Of Mil até às picadas de Moçambique ou da Guiné. Ombro armas ao Comandante da Companhia e o pelotão de Schweick, comandado pelo Tenente Valadino, deslizou ensonado até se perder no matagal.
Às três, Schweick já rastejava num rio de merda, algodão no nariz, a farda lodacenta, a cara maquilhada de tinta preta, granadas rebentando sobre as pontes, ouvidos a zunir, bala real sobre as cabeças, trinchando os arbustos da outra margem.
Colado ao lodo, cansado do interminável rastejar, Schweick alçou o rabo um pouco, até quase à linha do fogo e ouviu o grito rouco de um sargento miliciano “ Baixe o rabo, camarada, ou quer ser derretido com uma rajada? Parece parvo o Amélia!” Acto contínuo, um silvo quase imperceptível picou-o no cu como uma melga gigante. Outro silvo, outra picada no traseiro. Levou a mão enlameada à nádega e apalpou um líquido quente e espesso. Sangue. Cheirou a mão. Era sangue.
Logo agora que se abria um novo mundo cheio de promessas e de algumas verdades, que tinham acabado em definitivo os pesadelos que vinha sofrendo desde 61, logo agora, no início do renascimento, o Cadete de Abril, que passara a madrugada de 24 para 25 ao relento, formado num pelotão de faz-de-conta por mais de quatro horas, ali numa travessa ao Largo do Carmo, com uma G3 descarregada entre os braços pendentes, ele, um cadete de Abril, ali a fazer número, elemento de rectaguarda de uma revolução que estava a acontecer ali perto, de cuja etiologia permanecia ignorante mas que supunha coisa grande e boa, ele, anónimo para o comando operacional mas famoso para si próprio, estava ali a esvair-se em sangue, na mais estúpida e inopinada morte que um herói poderia desejar. Logo agora, uma morte ridícula, ignominiosa. Grande galo.
Continuava vivo, no entanto. Arrastou-se até uma zona mais seca e voltou a apalpar o traseiro. Hum, praticamente seco. Que diabo o teria ferido? Carregou fundo, como à procura de um calibre 9 ou algo assim. Não. Eram duas picadas superficiais, praticamente indolores, armamento desconhecido da tropa, agulhas de tricotar, alfinetes de cabeça, zarabatanas, fisgas disparando arames, dispositivo extraterrestre, quem sabe!
De manhã, Schweick queixou-se a um camarada. O elemento olhou o traseiro de Schweick, introduziu dois dedos nos estranhíssimos buracos e, com Schweick mais acabrunhado do que quando, 30 anos depois, foi submetido a um toque rectal, recomendou a descida à enfermaria,
“Está aqui um corpo estranho, cadete. Está perto, vou remover. Caramba, é um chumbo de uma espingarda de pressão de ar! Alguém lhe deu um tiro de Flover na instrução,”
“Dois, dois tiros!” – disse o cadete – “Com um intervalo de alguns segundos.”
Como é que um herói de Abril, enfim, um semi-heroi de Abril, aprende a lidar com este novo item? Decerto, um tiro de HK21 seria honroso, embora um pouco mais doloroso. Um tiro de pressão de ar era insultuoso demais…
“Vou-lhe pôr aqui um pouco de álcool e um penso. Recomendo-lhe ministrar mais algum álcool por via oral, umas cachaças, por exemplo. Amanhã estará bom”. “Obrigado, doutor”.
De facto, dia seguinte, Schweick já nem sentia sequer um leve ardor. Levantou-se e sentou-se e formou na parada e carregou a G3 e bebeu a cânfora do costume, na costumeira lata, e dormiu na sua enxerga e esqueceu os tiros, e teve o seu próprio pelotão que apresentou regularmente ao Comandante de Companhia, e esqueceu a cama de dossel com criado-mudo em mogno e esqueceu a visita da namorada ao quartel e esqueceu, sobretudo, a revolução dos cravos, para ele eternamente uma revolução encravada…
Mas quem diabo teria ousado expedir uma chumbada de matar pardais a um cadete de Abril? Quem?
Ah, Schweick! Ah, portugueses!
28 de julho de 2018
O Grande Romance Universal
Ontem acordei pensando que deveríamos fazer alguma coisa para proteger a humanidade das obras de arte, pelo menos das obras literárias que eu compro nos correios, quando lá vou pagar as portagens.
Hoje, pelo contrário, despertei com a ideia fixa de que não posso defraudar a humanidade inteira, escondendo-lhe o grande romance cíclico que trago na cabeça há, pelo menos, meio século. Pensei ainda que talvez ainda tenha tempo para o completar, se trabalhar com afinco. E, mesmo que não o consiga completar, permanecerá na civilização uma obra incompleta que, por essa mesma razão, será muito mais mítica e permitirá que as criancinhas das escolas façam o exercício recorrente de tentar completá-la.
Nesta disposição de ânimo, pensei logo na tasca do Frajuca, onde me sentaria tranquilamente para escrever o meu romance. Coloquei 80 cêntimos no porta-moedas para uma bica e, um dia não são dias, uma extravagância de mais dois euros e cinquenta, para o caso de me empolgar com a escrita e tiver que comer um bolo ou um pastel de bacalhau. Ponderei também o risco de escrever um romance em público, visto que, por vezes, os autores, quando se embrenham na obra literária, esquecem onde estão e babam-se…
Cheguei, munido da minha tablete e escrevi, no topo da folha electrónica, o título: “Nunca é Tarde para Amar”. Olhei-o de um lado, do outro e de frente e vi que tinha um ar de coisa extraordinariamente original e inteligente. Fiquei muito feliz e traguei o primeiro gole. Estava insípido, ao contrário do meu título.
Como sei muito bem que o título de um texto é a última coisa a escrever, vi-me impossibilidade de escrever mais fosse o que fosse. De certo modo, fica para a humanidade a tal obra incompleta, soberba e mítica. Acho eu…
19 de julho de 2018
Na minha aldeia
Na minha aldeia
Todos os dias o sino chora.
É sempre assim, quando o verão se esconde.
Ah Velhos, ah Portugueses,
Morreis do baço e do infortúnio
A cada fim de verão.
Na minha aldeia a morte é um tanger de sino
(Carpideira de bronze, seráfica, fria…)
Imagem daqui