Ontem acordei pensando que deveríamos fazer alguma coisa para proteger a humanidade das obras de arte, pelo menos das obras literárias que eu compro nos correios, quando lá vou pagar as portagens.
Hoje, pelo contrário, despertei com a ideia fixa de que não posso defraudar a humanidade inteira, escondendo-lhe o grande romance cíclico que trago na cabeça há, pelo menos, meio século. Pensei ainda que talvez ainda tenha tempo para o completar, se trabalhar com afinco. E, mesmo que não o consiga completar, permanecerá na civilização uma obra incompleta que, por essa mesma razão, será muito mais mítica e permitirá que as criancinhas das escolas façam o exercício recorrente de tentar completá-la.
Nesta disposição de ânimo, pensei logo na tasca do Frajuca, onde me sentaria tranquilamente para escrever o meu romance. Coloquei 80 cêntimos no porta-moedas para uma bica e, um dia não são dias, uma extravagância de mais dois euros e cinquenta, para o caso de me empolgar com a escrita e tiver que comer um bolo ou um pastel de bacalhau. Ponderei também o risco de escrever um romance em público, visto que, por vezes, os autores, quando se embrenham na obra literária, esquecem onde estão e babam-se…
Cheguei, munido da minha tablete e escrevi, no topo da folha electrónica, o título: “Nunca é Tarde para Amar”. Olhei-o de um lado, do outro e de frente e vi que tinha um ar de coisa extraordinariamente original e inteligente. Fiquei muito feliz e traguei o primeiro gole. Estava insípido, ao contrário do meu título.
Como sei muito bem que o título de um texto é a última coisa a escrever, vi-me impossibilidade de escrever mais fosse o que fosse. De certo modo, fica para a humanidade a tal obra incompleta, soberba e mítica. Acho eu…
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