De todos os estudos que viemos fazendo ou fabricando ao longo dos anos, nenhum se apresenta mais ostensivamente claro do que aqueles que estabelecem uma relação unívoca entre o desaparecimento progressivo do estrado e a progressiva perda da autoridade pedagógica do professor. O estrado foi desaparecendo na razão directa do aumento da indisciplina na sala de aula.
Conheci escolas que tinham dois estrados., ou seja, havia que subir dois degraus para chegar ao professor, postado sobre eles, semioculto por uma secretária de mogno esmagadora, infalível. O aluno que subia a esse estrado raramente o fazia por vontade própria., na medida em que havia nele um não-sei-quê de cadafalso. Obviamente, em vez de uma corda ao pe3scoço, ou de uma lâmina afiada sobre a sua cabeça, o desgraçado que para ali se dirigia, melhor, que para ali era obrigado a dirigir-se, era antes toureado com sarcasmo e elegância até ostentar toda a riqueza da sua inominável ignorância.
Depois, o estrado desceu um degrau, fez subir a auto-estima do aluno e descer a do professor. Foi por esta altura que os professores tiveram que refinar um pouco a ironia usada no aporrinhamento do aluno, a ponto de este raramente a perceber. Com o 25 de Abril, os educadores , devidamente enquadrados por um novo bando de pedagogos emplumados, desocultando a ciência oculta de ensinar, aboliram definitivamente o estrado, acabando por obrigar a sala de aula á disposição em U. Por seu turno, o professor ficou obrigado à postura do sempre-em-pé, destituído da sua honorífica secretária e, no extremo, espoliado de uma simples mesa e até mesmo de uma cadeira. Passou, portanto, a dar as suas aulas no meio daquele U de indivíduos cada vez mais iguais, cada vez mais brothers e mais cheios de torcicolos, sobretudo os das abas laterais do U, por tentarem olhar para o quadro. De notar que, para obstar ao aumento dos torcicolos, acabou o quadro por ser também abolido. Na verdade, mesmo nas salas onde ele ainda existe, raramente é objecto da atenção dos alunos e dos professores. Com o advento do quadro hiperactivo, o velho quadro foi relegado para um canto da sala, onde se escrevem anúncios de actividades desportivas patrocinadas pela compal ou pela coca-cola.
Destruído o estrado, desenfileirada a velha ordem das carteiras, desprestigiada a autoridade docente, deslegitimado o quadro do saber, anarquizado o espaço pedagógico, instalou-se a democracia individual. O professor passou a mandar 1/30 da sala de aula, tanto quanto qualquer um dos outros.
Porém, ao contrário do que eu já um dia tinha previsto, ainda não foi decretado que o professor fosse remetido para um fosso semelhante ao fosso da orquestra nos teatros líricos, mas podemos ter a certeza que isso só não foi ainda conseguido porque acarretaria despesas incomportáveis na transformação das actuais salas de aula, rubrica dificilmente inscrevível no orçamento rectificativo.
Mas o tal fosso já existe. É lá que nos encontramos, berrando para fazer ouvir a nossa voz lá em cima, nas carteiras despovoadas de educação…
Post 8 (Imagem daqui)
1 comentário:
Como bem descreves a passagem de 8 a 80. O fosso já existe, sim, e dar aulas, só aos berros (às vezes). Até para quem tem 10 alunos na sala como eu... Bom fim de semana! Bjs Marla
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