Onde disse maniaco-depressivos, digo maniacodepressivos, digo, manicómico-apressados, digo…
(Achtung! Enthält portugiesische Umgangssprache)
A acta de cerro de um processo judicial, da autoria de escrivães ou mesmo de juízes, reza quase sistematicamente assim: “Transitado em tantos de tal de dois mil e tal”. E pronto. Mesmo a leitura da maior parte dos acórdãos não ultrapassa uma página de Word, Calibri 12, a dois espaços. A sentença de Sacco e Vanzetti, escrita a punho, com letra estendida e margens generosas, quedou-se pelas três páginas e isso incluía a justificação da sentença, e da posição dos jurados, partindo do pressuposto assumido de que os factos tinham amplamente sido provados ao longo dos processos.
Ah, mas a acta de um conselho de turma ou de uma reunião de grupo ficaria improcedente se seguisse tão estreitas exigências de extensão como as que presidem aos relatos da esfera judicial. Afinal, o que é a justiça, quando comparada com as justificações pedagógicas, derramadas no texto, ziguezagueando de atropelo em atropelo, através de um emaranhado de conceitos pedagogísticos, lugares tão comuns como cadeira de barbeiro, que ninguém entende, à excepção, é claro, dos formados em acções de meio crédito, que ensinam, sem margem para dúvida, a construir, sem esforço, tanto um romance de trezentas páginas, como uma acta de quatro, tão politicamente correcta, quanto economicamente ruinosa.
De facto, o conceito de informar a comunidade escolar de que um determinado petiz não estuda um caralho, não faz a ponta de um corno e, por vezes, nem mesmo o meio do dito corno, que se está borrifando para a puta da aula, a puta da professora e a puta da seca que tudo aquilo é, que se peida amiúde, quer silenciosa quer estrepitosamente (pessoalmente prefiro esta última modalidade, por introduzir um momento particularmente vívido e dinâmico) é, claramente, muito mais complexo e avassalador do que dizer à sociedade que um tipo foi condenado a vinte anos de pildra, com visitas às sextas, cigarrito aos sábados e transístor ao domingo para ouvir o glorioso.
É que os papás, coitados, não ficariam convenientemente informados se lhes dissessem palavras que eles entendessem logo à primeira. A informação correcta e apropriada tem de ir embrulhada em PAES e PES e PANS e PUNS e artificiosamente concebida de modo a que a culpa seja sempre de alguma entidade etérea, ou que ela, a culpa, seja ela própria etérea.
Apetece-me fazer um acto de contrição, porque já vai sendo tempo e andei toda a vida a enganar as pessoas, convencendo-as, directa ou indirectamente, de que sabia ler. na verdade só sei escrever o meu nome e pouco mais. Nunca soube ao certo se um aviso das Finanças, ou de uma empresa de bens não transacionáveis, é para pagar ou para receber. Há algo naqueles discursos que obstrui a minha percepção dos factos e algo no meu optimismo que opta sempre por não pagar. Visto que sou um ignorante funcional, por que razão não o serão os encarregados de educação? E o pessoal do Pedagógico, que agora é tão pouquinho que dá dó, e por vezes não há, entre eles, ninguém que saiba, de facto, ler? E é isto…
Só não escrevo mais nada porque me deu o sono e o meu leitor também já adormeceu há muito…
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